Presidente da Fearroz e Abiarroz, André Barretto, defende uma mudança estrutural na lavoura.

Produtor de arroz há 35 anos, presidente da Federação das Co-operativas de Arroz do Rio Grande do Sul (Fearroz) e da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), fundador da Câmara Setorial do RS, em 1992, e coordenador da Câmara Setorial Nacional do Arroz durante oito anos, André Barretto destaca-se como uma das mais expressivas lideranças nacionais da cadeia produtiva do cereal. Nesta entrevista exclusiva para a Planeta Arroz ele analisa os efeitos da crise na orizicultura gaúcha, a relação entre indústria e setor produtivo, o impacto da guerra fiscal e a concorrência com os países do Mercosul. Planeta Arroz - Como o senhor analisa a crise do arroz no RS? André Barretto - A cada ano, a crise tem retornado de modo mais profundo. Como um sufoco permanente, apenas esporádicos períodos permitem ao produtor uma tomada de fôlego, como a prepará-lo para a próxima crise. A Fearroz abriga enorme contingente de produtores, fornecendo-lhes assistência técnica especializada, recebendo seu produto, beneficiando-o e o colocando à disposição de consumidores nas mais distantes gôndolas varejistas. Além disso, disponibiliza sementes e insumos adequados à produção e, com frequência, até recursos financeiros. Esta amplitude de atendimento permite conhecer de perto as vicissitudes que, ano após ano, tolhem os resultados que deveriam ser auferidos como resultado do competente desempenho desses produtores. A cada crise, as soluções buscadas e obtidas são sempre conjunturais, paliativas. Como se costuma dizer com relação a obras viárias, como viadutos: retiram o problema de um ponto e o deslocam a outro, sem resolvê-lo. A solução passa pelareforma estrutural da lavoura. Planeta Arroz - Que pontos trabalham contra a lavoura? André Barretto - Creio que um dos principais seja o elevado custo de produção. O problema é que um alto percentual de produtores não tem como controlar alguns itens desse custo. Um deles é o valor que parte dos produtores paga pelo uso de terra e água como arrendatários. Não posso conceber como viável um negócio que retire da renda bruta parcela que comprometa de 25% a 30%, caso da maioria dos 65% de produtores que são arrendatários. O problema não é exatamente o percentual, o problema é que este percentual extrapola os itens terra e água e passa a incidir sobre o incremento da produção resultante da tecnologia adquirida pelo produtor e sua capacidade gerencial. A lavoura de arroz é uma lavoura cara e exige alta tecnologia, e o produtor/arrendatário termina deixando incidir aquele percentual sobre a parte da produção que é resultado de sua gestão e da tecnologia aplicada, nada tendo a ver diretamente com a capacidade produtiva da terra ou do insumo água. Outros itens problemáticos são tributação, logística, armazenamento, comercialização e tecnologia. Investimento em tecnologia precisa ser feito de modo criterioso, só aplicando-a em condições ideais, em áreas que proporcionem retorno suficiente para pagá-la e permitir sobra. Também é importante o controle rigoroso de gastos dos recursos auferidos nos raros anos em que se conjugam boa safra e bons preços. Há muito a ser feito pelos produtores, e muito que independe de sua atuação. Planeta Arroz - E as medidas do governo em auxílio à lavoura? André Barretto - Neste ano, não podemos considerar o governo como ausente da tentativa de solução para o problema, apesar da demora que as medidas levaram para dar algum resultado. O governo federal foi sensível, certamente informado e pressionado pelo governo estadual. Ambos foram bastante atenciosos para com a lavoura. As iniciativas adotadas prorrogando os vencimentos nos darão certo fôlego. Também importante foi a liberação de verbaspara contratos de opção, PEP e Pepro, que apresentam resultados embora, neste momento, com os preços reagindo, poucos produtores disponham de produto. Planeta Arroz – Estas medidas representam as soluções dos problemas ou apenas as adiam? André Barretto - O que precisaria ser solucionado em 2011 vai ser jogado para 2012, 2013, 2014, e assim por diante. No ano que vem teremosnova safra, que esperamos seja cheia, se o clima ajudar. Faremos o que com todo esse produto nas mãos do governo? Como vamos armazenar a safra se boa parte dos atuais armazéns está comprometida com as operações governamentais? Em qual momento o governo liberará esses estoques? A saída é a exportação, que apresenta certa dificuldade pela valorização do real, deficiências logísticas, pela nossa inexperiência internacional, entre outros fatores. Planeta Arroz - Já havia ocorrido crise assim? André Barretto - A cada ano, a crise tem sido mais profunda. Creio que esta foi a maior até o momento. Colhemos quase 9 milhões de toneladas de arroz de altíssima qualidade, mas não tivemos preço. Todos os países do Mercosul foram pródigos na produção e a maioria deles tem o Brasil como mercado preferencial. Com custo de produção bem inferior, exercem uma pressão violenta. No ano passado foi diferente: colheita muito pequena e preços baixos. Para o ano que vem, não sei como serão os preços e o volume colhido, mas com esse estoque público mais o excedente do Mercosul fica difícil crer em maior aumento de preço. Planeta Arroz – Por qual razão? André Barretto - Hoje estamos comercializando arroz de alta qualidade por R$ 23,00 a R$ 24,50 a saca. Precisamos ficar atentos, porque aumento de preço de arroz no Brasil estimula a entrada do Mercosul. Temos informações de uma de nossas filiadas de que a Argentina está oferecendo arroz de qualidade em Itaqui por R$ 20,50. É assim que o Mercosul vai proceder: ofertar a R$ 1,00 ou R$ 2,00 abaixo do preço daqui para desovar seu produto. Planeta Arroz – Isso seria uma espécie de concorrência desleal? André Barretto - O Mercosul não é um concorrente desleal. Compete dentro das regras de mercado. Se pode oferecer seu produto a preço convidativo, que o faça. Seus produtores não têm culpa de desfrutar de tarifas e impostos mais baixos do que os nossos. Nosso problema é interno, temos que resolver aqui dentro do país, e não ficar atribuindo culpa a quem não tem, fechando pontes e fronteiras, de modo a impedir a livre circulação de mercadorias. Temos que lutar com os governos para que possamos ser tão competitivos quanto os vizinhos. Retornamos aos problemas de tributação, logística, Custo Brasil, etc... Planeta Arroz - E como a indústria enfrenta essa situação? André Barretto - Indústrias e cooperativas apresentam modos semelhantes de produção. As co-operativas, no entanto, são dirigidas por produtores e obedecem a princípios que as transformam em instrumentos de regulação de preços, afora obediência a normas gerais de procedimento a favor da produção. Elas têm uma atuação mais social, trabalham focadas em apresentar resultados aos seus associados. Como consequência, têm um comportamento quase paternalista com relação aos seus associados. Planeta Arroz – Isso obriga as cooperativas a serem mais tolerantes com seu associado? André Barretto - Como exemplo, lembramos que estamos sob vigência de uma nova classificação de arroz, implantada pelo Ministério da Agricultura, que os produtores entendem como rigorosa, mas que precisa ser observada quando do oferecimento do produto aos consumidores. As cooperativas sentiram-se forçadas pelos associados a elaborarem tabelas mais tolerantes para o recebimento do cereal. O problema é que, ao ofertarem o produto final ao mercado, precisam fazê-lo de acordo com a norma que entendem rigorosa, o que ocasiona perdade recursos pela diferença existente entre a qualidade recebida e a qualidade obrigatoriamente ofertada. Isto tem um impacto indesejável no custo de produção das cooperativas e não entendo como saudável sob a ótica da necessidade de desenvolvimento, de fortalecimento empresarial.Entendo que as co-operativas precisam ser fortes e saudáveis para que possam ser de boa serventia para seus associados. Planeta Arroz – Isso não acontece com as demais indústrias? André Barretto - As demais indústrias têm a remuneração de seu capital como meta primordial, e é justo que busquem matéria-prima nas melhores condições de qualidade e preço para sobreviverem à difícil concorrência. Indústria não pode ser forçada a adotar medidas paternalistas. Assim é o sistema vigente. Para isto, seria necessário mudar a Constituição, a orientação econômico-filosófica do país e transformá-la em economia tutelada pelo Estado. Enquanto vivermos em uma democracia capitalista, o capital sempre irá buscar o melhor rendimento, dentro das normas legais. Observemos que no ano passado o Brasil exportou 895 mil toneladas de arroz e este ano superará 1 milhão. Com apoio governamental,ou não, esta é uma atitude da indústria que se reverte em vantagem para toda a cadeia, pois enxuga o mercado, favorecendo o aumento ou a estabilização dos preços internos. Planeta Arroz - Mas, e se os preços dispararem? André Barretto - Acredito que a possibilidade de os preços internos dispararem é remota. Há grande disponibilidade de produto e o governo, detentor de elevados estoques, por sua vez, não investiu milhões para essa finalidade. Pelo lado das indústrias, caso não haja possibilidade de repassar esse improvável aumento ao varejo, a opção seria importar. Precisamos ser realistas: por que acreditar que uma indústria irá pagar X% por uma tonelada de produto se ela pode obtê-la por X-Y%? Não podemos nos esquecer de que é a indústria que procura convencer o varejo a aceitar o repasse necessário para cobrir os aumentos da casca. É ilusão acreditar que a indústria põe o preço no arroz do produtor! O varejo está cada vez mais concentrado e paga o que quer. Se não há condições de repasse, como pagar mais pela matéria-prima? Eu não vejo qualquer sentido em reunião sobre preço se não estiver presente representante do varejo. De que adianta reunião entre produtores, industriais, cooperativas e governo se jamais se fazem presentes os representantes do varejo? Alguém já viu representante de supermercado em alguma reunião? Então não vale a pena esse bate-boca estéril entre produtores, indústrias e políticos oportunistas se não estiver presente o responsável que se apropria da maior parte da comercialização. Assim, acadeia fica permanentemente incompleta. Planeta Arroz - Como é a relação entre indústria e produtor? André Barretto - Indústria e produtor são interdependentes. É indispensável o entendimento entre ambos, pois estão subordinados ao varejo, à ganância tributária, ao Custo Brasil, às arbitrariedades legais, à precariedade de logística, etc. A pressão que o setor produtivo primário sofre por ficar menos competitivo frente a seus concorrentes do Mercosul é sentida pelo setor industrial pela ganância fiscal. Como mandar um produto daqui para Goiás pagando 12% de ICMS e ganhar dinheiro quando o goiano pode importar do Mercosul sem pagar nada de imposto? Como enfrentar os concorrentes na Região Nordeste quando industriais e varejistas de Pernambuco podem importar, por via marítima, a custo menor e zero de ICMS? Agora apareceu uma decisão do Conselho de Política Fazendária (Confaz) que teria aprovado a unificação da alíquota do ICMS interestadual em 4%. Quando isto estará efetivado? Planeta Arroz - É possível fazer um balanço do desempenho e dos avanços obtidos pela Abiarroz? André Barretto - O foco da Abiarroz é a luta contra a tributação abusiva. Também estamos envidando esforços na questão da infraestrutura portuária, porque queremos exportar mais. Ainda neste ano, em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), patrocinamos uma rodada de negócios na Expoarroz 2011, em Pelotas. Foram realizados negócios de quase 9 milhões de dólares. Vieram importadores de 13 países, sendo quatro novos. Também compareceram compradores da ONU/FAO que instruíram interessados em fornecer alimentos para a ONU, que gasta 3 bilhões de dólares anuais nessa rubrica. Estamos desenvolvendo um projeto setorial com o objetivo de levar o produto brasileiro para ser exposto em feiras internacionais. Pretendemos nos alinhar com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), a exemplo do que já realizamos na Expoarroz. Enfim, estabelecer um verdadeiro programa de exportação. Planeta Arroz - A exportaçãoé uma alternativa para a crise? André Barretto - A exportação é uma das alternativas. O ideal é que o Mercosul participe desse esforço. Quando foi criado, esperava-se que o Mercosul se tornasse autossuficiente em arroz e passasse a exportador. A primeira fase está concluída. É chegado o momento de começarmos a tornar a segunda uma realidade. Com relação à lavoura, como já dissemos, impõe-se uma mudança estrutural. É preciso que isto seja enfrentado imediatamente. FONTE: PLANETA ARROZ



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